or Carlos Antonio Alexandrino da Silva, advogado trabalhista, OAB/SP 166.972 – Sócio na Alexandrino Sociedade de Advogados
A recente aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1118 tem gerado intensos debates no meio jurídico, especialmente no campo do direito do trabalho. A decisão, que condiciona a responsabilidade subsidiária da Administração Pública à comprovação de negligência na fiscalização do contrato, representa uma inflexão jurisprudencial que, embora vinculante, não está imune ao controle constitucional — e tampouco pode ser aplicada de forma retroativa sem violar garantias fundamentais.
O QUE DIZ O TEMA 1118?
O STF, ao julgar o RE 1298647, fixou a seguinte tese:
“O inadimplemento dos encargos trabalhistas por parte do empregador não transfere automaticamente à Administração Pública a responsabilidade subsidiária pelo pagamento das verbas, sendo necessário comprovar a conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora.”
Essa decisão alterou o entendimento que prevalecia na Justiça do Trabalho, onde a responsabilidade subsidiária era reconhecida com base na presunção de culpa in vigilando — especialmente diante da ausência de fiscalização efetiva.
A RUPTURA COM A JURISPRUDÊNCIA DA SDI-1
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho consolidou, ao longo dos anos, o entendimento de que a Administração Pública responde subsidiariamente quando não comprova ter fiscalizado adequadamente o contrato de prestação de serviços. A OJ nº 383 da SDI-1 é emblemática nesse sentido.
Ao exigir do trabalhador a prova da negligência — sem considerar a presunção anteriormente admitida — a aplicação do Tema 1118 viola a jurisprudência pacificada da própria SDI-1, o que abre espaço para a interposição de embargos com fundamento no art. 894, II, da CLT.
A PROVA DIABÓLICA E A VIOLAÇÃO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
A exigência de que o trabalhador comprove a ausência de fiscalização por parte do ente público configura o que a doutrina chama de “prova diabólica” — uma prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida.
Essa exigência:
- Fere o princípio da proteção ao trabalhador (art. 7º da CF);
- Viola o acesso à justiça (art. 5º, XXXV);
- Compromete o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV);
- E desrespeita a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Não se trata apenas de uma dificuldade técnica, mas de uma incompatibilidade constitucional, que pode e deve ser enfrentada por meio do controle difuso de constitucionalidade.
CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE: UMA JURISDIÇÃO INCIDENTAL
No controle difuso, a jurisdição constitucional não é o objeto principal da ação, mas sim uma questão prejudicial que surge no curso do julgamento. Como ensina José Afonso da Silva, trata-se de um controle concreto, exercido por qualquer juiz ou tribunal, quando a constitucionalidade de uma norma é questionada no contexto de um caso específico.
Nesse modelo, o juiz não declara a norma inválida para todos, mas apenas afasta sua aplicação no caso concreto, por entender que ela contraria a Constituição.
A decisão só ganha efeito vinculante e erga omnes se houver repercussão geral reconhecida e posterior julgamento pelo STF, conforme o art. 52, X da Constituição.
A jurisprudência do próprio STF admite esse controle, desde que respeitada a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF), o que não impede sua invocação em embargos à SDI-1.
IRRETROATIVIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA
Outro ponto nevrálgico é a irretroatividade da decisão. A LINDB — Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro —, em seu art. 6º, é clara ao afirmar que a norma vigente respeitará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
A aplicação da tese do Tema 1118 a processos ajuizados sob a égide da jurisprudência anterior viola a segurança jurídica, surpreende o trabalhador e compromete o devido processo legal. A ausência de modulação expressa por parte do STF não autoriza sua aplicação retroativa de forma automática e indiscriminada.
Como já previa o art. 1º da antiga redação da LICC (Decreto-Lei nº 4.657/1942), “a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”, e não pode retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Essa diretriz foi mantida e reforçada no atual art. 6º da LINDB, que consagra a proteção à estabilidade das relações jurídicas e à confiança legítima dos jurisdicionados.
A jurisprudência vinculante, por mais respeitável que seja, não pode se sobrepor à Constituição nem romper com os pilares da segurança jurídica que sustentam o Estado de Direito.
CONCLUSÃO
A aplicação do Tema 1118 do STF exige cautela, ponderação e respeito à Constituição. A jurisprudência vinculante não é blindada contra o controle constitucional, e sua aplicação retroativa pode gerar injustiças irreparáveis.
Cabe à comunidade jurídica — e especialmente ao TST — exercer seu papel de guardião dos direitos fundamentais, assegurando que a interpretação da norma esteja sempre em consonância com os valores constitucionais que regem o direito do trabalho.
Se você atua na área trabalhista, compartilhe este artigo com colegas e profissionais do direito. A discussão é urgente e necessária para preservar a coerência, a justiça e a dignidade nas relações laborais.